jun 06

Entre Bastidores e Boas-Vindas: A Vida Real de um Gerente Geral

Um dia na jornada silenciosa de um Gerente Geral de Hotel

Muitos profissionais me perguntam como é, na prática, o dia a dia de um gerente geral de hotel. A resposta mais honesta que posso dar é: cada dia é uma construção. Nada é repetitivo. Não existe um roteiro rígido, mas sim uma cadência de decisões — muitas vezes silenciosas — que transformam o comum em extraordinário.

Neste artigo, quero compartilhar como se desenrola um dia típico nessa função tão apaixonante e exigente, sem considerar as dezenas de interrupções que ocorrem na agenda de um gerente geral. E, quem sabe, lançar um olhar mais sistêmico e real sobre o que significa liderar a operação de um hotel e/ou meio de hospedagem, do primeiro bom dia até o último boa noite. Esta é uma síntese construída a partir da minha experiência como gerente geral, ainda que cada um tenha seu próprio ritmo e desafios. Vamos lá:

7h30 – O hotel acorda, e a escuta começa: Sempre achei importante estar presente antes dos primeiros hóspedes descerem para o café da manhã. Andar pelos corredores, pelas áreas sociais internas e externas, nas áreas de suporte, visitar todo o A&B, dar bom dia às equipes, observar o que está nos relatórios da noite anterior.

É nesse silêncio matinal que o hotel fala com quem sabe escutar. Uma cadeira fora do lugar, uma flor que não foi trocada, uma luz acesa na hora errada — pequenos detalhes que contam grandes histórias.

8h30 – Reunião de líderes: alinhar para fluir: A rotina segue com a reunião matinal com as lideranças. Cada gestor compartilha o que vem pela frente: check-ins de grupos, hóspedes VIP, eventos, necessidades da manutenção, alterações de reservas, faltas na equipe, situações do dia anterior, outras demandas

Essa é uma reunião objetiva, é nela que a operação ganha ritmo. Escutas e direcionar, este é o espirito deste momento. Às vezes, um ajuste de escala muda o humor de um turno inteiro. uma antecipação de compra evita um problema no fim de semana, uma decisão de priorizar determinado hóspede fideliza e reverte a reputação.

09h00 – A arte de estar presente: Estar presente nas áreas sociais do hotel. Conversar com hóspedes no café da manhã, cumprimentar um casal em lua de mel, verificar como está o serviço do restaurante.

Certa vez, vi um hóspede olhando para o celular com ar preocupado no lobby. Me aproximei com discrição. Era um executivo que havia esquecido o carregador e tinha uma reunião em 20 minutos. Peguei um da recepção e levei até ele. Foi um gesto simples, mas ele me disse depois que jamais se esqueceu disso — e retornou ao hotel outras cinco vezes no mesmo ano.

“Essa é a essência da hospitalidade: antecipar o que não foi dito. Atuar antes da reclamação. Estar disponível sem ser invasivo”.

10h30 – Números, sim. Mas com propósito: Em seguida, mergulhar nos indicadores: ocupação, diária média, RevPAR, faturamento por centro de custo, desempenho de reservas online, DRE futuro. Mas aqui vai um segredo: mais do que números, olhar e compreender o que está por trás deles. Executar rotinas administrativas.

  • Se uma tarifa caiu, por quê? Foi concorrência? Falha no canal? Decisão de RM equivocada?
  • Se a receita de alimentos & bebidas cresceu, quem impulsionou? Houve uma ação de upselling bem executada?

Gerenciar é traduzir números em decisões. E mais: é garantir que a equipe entenda que cada ponto percentual é reflexo direto do esforço coletivo.

12h00 – Almoço com significado: Ao contrário do que se imagina, raramente almoçar sozinho. Importante usar esse momento para construir relações: com fornecedores, com equipes, com parceiros comerciais. Também aproveitar para conversar informalmente com colaboradores em diferentes áreas, almoçar no refeitório, interagir com a equipe. É impressionante o quanto se aprende ouvindo quem está no front, no operacional.

14h00 – Pessoas, sempre elas: À tarde, dedicar boa parte do tempo à gestão de pessoas. Entrevistas, devolutivas, acompanhamentos de desempenho, reuniões com RH e setores.

Lembro de uma situação em que um colaborador da manutenção estava constantemente chegando atrasado. Ao invés de aplicar imediatamente uma advertência, chamei para conversar. Descobri que ele vinha a pé após um turno extra em outro local, tentando manter dois empregos para sustentar a família. Conseguimos realocar seus horários e oferecer apoio via RH. Resultado: o desempenho dele melhorou, e ele se tornou um dos mais pontuais e engajados da equipe.

Nem toda decisão é visível — mas muitas têm impacto duradouro.

16h00 – Preparar a noite, garantir excelência: Se há eventos, reuniões, jantares importantes, dar atenção especial aos bastidores. Entrar nas salas de convenções, revisar cronogramas com a equipe de banquetes, verificar equipamentos com a manutenção. O turno da noite exige preparação e visão.

É nesse momento que é importante reforçar com as equipes o foco em cada hóspede: a atenção ao check-in, o sorriso no atendimento do bar, o cuidado com os pedidos de room service. A operação da noite precisa da mesma energia do começo do dia — e isso só acontece com liderança presente e motivadora.

18h30 – Últimos ajustes, próxima jornada: Revisitar a recepção e demais setores, repassar com os supervisores os pontos críticos da noite como hóspedes VIPs, eventos programados, manutenção emergencial e outras ocorrências. Registrar o que precisa de atenção no dia seguinte e deixar o time ciente que está à disposição.

19h00 – Presença no salão ou lobby: Circular pelo restaurante, bar, lobby e corredores principais, cumprimentando hóspedes, observando o atendimento e checando o ambiente. Identificar hóspedes recorrentes, corporativos ou VIPs para uma abordagem cordial e estratégica, fortalecendo o relacionamento.

20h00- Monitoramento da operação do jantar: Verificar o fluxo no restaurante, room service e eventos em andamento. Há dias em que o Gerente Geral acompanha eventos até o final. Há outros em que fica em calls com a diretoria e/ou participa de reuniões com investidores.

Decidir o tempo todo: Ser gerente geral de hotel é tomar dezenas — às vezes centenas — de decisões todos os dias. Algumas são óbvias, outras quase imperceptíveis. Mas todas contam. Todas impactam alguém.

Entre um relatório e um sorriso, entre um KPI e um gesto de cuidado, está o verdadeiro papel do gerente: sustentar a cultura do serviço, cuidar da equipe, promover conexões reais e garantir que o hóspede sinta, genuinamente, que está em boas mãos.

É uma função que exige presença. Inteligência emocional. Escuta ativa. Clareza nos números. Cuidado com o time. Respeito pelo cliente.

E, acima de tudo, é um privilégio diário. Porque não há lugar mais vivo do que um hotel — e nenhuma rotina mais rica do que aquela construída na arte de servir.