Comecei a estudar o conceito de Revenue Management nos Estados Unidos, ainda quando era chamado de Yield Management — termo herdado da aviação, setor pioneiro na aplicação dessa inteligência para maximizar resultados com recursos perecíveis, como assentos. A transição desse conceito para a hotelaria representou uma verdadeira revolução silenciosa.
Logo percebi que não se tratava apenas de números, planilhas ou algoritmos. O que me chamou atenção foi a lógica estratégica por trás do modelo: entender o comportamento do cliente, prever demanda com precisão e ajustar a oferta de forma dinâmica para gerar rentabilidade sustentável. Era, antes de tudo, uma nova forma de pensar a administração hoteleira.
Neste artigo, compartilho os principais aprendizados que moldaram meu olhar como profissional e mentor na área, e explico por que o Revenue Management, quando bem compreendido, é uma das engrenagens mais poderosas da gestão de vendas, mas também por que, sem hospitalidade, liderança e equipe, ele simplesmente não cumpre seu papel.
De vender quartos a entregar valor
Durante muito tempo, muitos hotéis trabalharam de forma reativa. Tarifas fixas, tabelas sazonais, decisões com base em intuição. Mas o mercado mudou. A concorrência se sofisticou. O cliente ficou mais exigente. E o desafio não é mais apenas “lotar o hotel”. É rentabilizar com inteligência.
O Revenue Management ensina que o objetivo não é vender mais, mas vender melhor. É a arte de oferecer o quarto certo, para o cliente certo, no momento certo, pelo preço certo e no canal certo. Quando esse alinhamento ocorre, o resultado é mais do que financeiro — é estratégico.
Segmentar é essencial: não existe uma única tarifa ideal
Cada hóspede é diferente — e cada perfil de hóspede representa um potencial distinto de receita e rentabilidade.
Segmentar significa identificar esses perfis com clareza: o executivo que reserva de última hora; o casal que planeja a viagem com antecedência; o grupo que busca conveniência e custo-benefício; o cliente fiel que retorna sempre. Todos esperam experiências diferentes — e estão dispostos a pagar preços diferentes.
O papel do RM é traduzir essas diferenças em estratégias personalizadas. Tarifas específicas, políticas de cancelamento adequadas, canais corretos. Essa inteligência evita perdas e maximiza oportunidades.
Previsão de demanda: o coração do planejamento estratégico
Prever com precisão é uma das maiores virtudes do bom RM. E não se trata de adivinhar, mas de analisar.
A leitura da demanda futura é feita com base em dados históricos, tendências de mercado, sazonalidade, eventos locais, comportamento de busca e até fatores externos como clima. Essa análise permite planejar com antecedência, ajustar preços com segurança e criar campanhas promocionais que fazem sentido para o negócio e para o hóspede.
E o mais importante: a previsão permite decisões conscientes. Sabendo o que esperar, o gestor pode preparar a operação, capacitar o time, controlar custos e proteger a margem de lucro.
Gerenciamento de inventário: controlar para crescer
No RM, quartos são ativos perecíveis: se não forem vendidos hoje, não poderão ser vendidos amanhã. Isso torna o controle de inventário um fator crítico.
Gerenciar significa definir com precisão:
- Quantos quartos estarão disponíveis em cada canal;
- Quais tarifas estarão ativas em cada momento;
- Quais políticas (mínimo de noites, cancelamento, upgrade) serão aplicadas.
E tudo isso precisa ser feito em tempo real, acompanhando a evolução da demanda.
Outro ponto importante: nem todos os canais são igualmente lucrativos. O canal direto, por exemplo, costuma oferecer melhor rentabilidade líquida. Já as OTAs oferecem volume, mas com comissões mais altas. Equilibrar esse mix exige visão e habilidade estratégica.
Métricas que importam — e que orientam a gestão
O RM não é um setor isolado. É um pilar que sustenta decisões comerciais e operacionais. Por isso, alguns exemplos de KPIs que precisam estar no radar de toda a liderança:
- ADR (Average Daily Rate): tarifa média diária.
- Ocupação (%): índice de quartos ocupados no período.
- RevPAR (Revenue per Available Room): receita por quarto disponível.
- TRevPAR (Total Revenue per Available Room): receita total por quarto (inclui A&B, eventos, etc).
- MPI – (Índice de Penetração no Mercado): Compara a taxa de ocupação do hotel com a média do mercado.
- Lucro Bruto Operacional – (GOP): Mede o lucro antes das despesas de administração e financeiros.
Esses indicadores mostram se a estratégia está funcionando — e apontam caminhos de melhoria. Devem existir outros KPIs, mas esses são os principais.
RM moderno: mais do que preço, uma experiência
- Personalização com base em dados: o futuro do RM está em usar tecnologia para oferecer experiências sob medida — upgrades, benefícios, serviços adicionais.
- Valor percebido além do preço: clientes estão dispostos a pagar mais por propósitos claros — como sustentabilidade, inclusão, autenticidade.
- Automação e inteligência artificial: os sistemas estão cada vez mais precisos, o que exige dos gestores uma atuação mais estratégica e menos operacional.
- RM em todas as áreas: a lógica do Revenue pode ser aplicada ao restaurante, ao spa, aos eventos e até ao estacionamento — otimizando todas as fontes de receita do hotel.
Sem pessoas, o RM é apenas um cálculo
É aqui que entra a principal reflexão que gostaria de deixar.
Revenue Management é importante, mas não serve para nada se estiver desconectado da hospitalidade, do desenvolvimento de equipes e da liderança inspiradora.
Não adianta ter a melhor estratégia de tarifas se o hóspede não for bem acolhido. Não adianta alcançar o RevPAR ideal se o time não estiver alinhado, motivado e bem preparado.
RM é apenas uma peça — fundamental, sim — do complexo mosaico da administração hoteleira. Uma peça que só faz sentido se encaixada com cultura organizacional, cuidado com as pessoas, excelência operacional e entrega de valor genuíno ao hóspede.
É essa combinação de técnica + humano, dados + gerenciamento — que gera resultados consistentes e memoráveis.
RM está no seu dia a dia — você só não percebeu ainda
Muita gente ainda acredita que Revenue Management é algo sofisticado, exclusivo de grandes hotéis ou empresas com equipes especializadas. Mas a verdade é que essa lógica está muito mais próxima do nosso cotidiano do que parece.
Veja alguns exemplos simples:
- O salão de beleza que faz promoções nas terças e quartas, quando o movimento costuma ser mais fraco. A ideia é atrair clientes em horários de baixa demanda — o mesmo princípio aplicado em hotéis que criam tarifas especiais para períodos fora de pico.
- O verdureiro do bairro que faz “quarta-feira verde”, oferecendo descontos para aumentar o giro do estoque antes do fim da validade dos produtos. Assim como quartos, frutas e legumes também são perecíveis — e precisam ser vendidos no tempo certo para não gerar prejuízo.
- O cinema que cria combos promocionais ou noites temáticas em dias com menor ocupação. Ele equilibra o fluxo e rentabiliza melhor as salas disponíveis.
- A academia que oferece planos promocionais com fidelização de longo prazo para horários alternativos, diluindo o uso da infraestrutura ao longo do dia.
- O aplicativo de transporte que ajusta o preço da corrida conforme o horário e a demanda local em tempo real — o famoso “preço dinâmico”.
- As companhias aéreas, claro, foram pioneiras — e continuam sendo mestres nessa arte. Um mesmo voo pode ter dezenas de preços diferentes, dependendo de quem compra, quando compra e em qual canal.
Ou seja: Revenue Management não é apenas sobre hotéis — é sobre estratégia de venda inteligente, nada complexo, já faz parte da nossa vida. É sobre entender o comportamento do cliente, antecipar movimentos do mercado e ajustar sua oferta para extrair o melhor valor possível, em cada situação.
Lucro é construção diária, não acaso
Se existe um aprendizado central na minha trajetória, é este: rentabilidade não é um bônus no fim do mês. É uma construção diária, feita com inteligência, sensibilidade e decisão.
O Revenue Management é uma das alavancas da hotelaria moderna. Mas o verdadeiro desafio está em equilibrar essa inteligência financeira com uma cultura organizacional sólida, que valorize a experiência do hóspede, o cuidado e desenvolvimento da equipe, a força da liderança e a visão de longo prazo.
Se você quer elevar o nível da sua gestão, não pense apenas em como vender mais. Pense em como vender melhor. Com propósito. Com inteligência. Com hospitalidade genuína para todos.
Se este conteúdo gerou reflexões, compartilhe com sua equipe ou rede. Rentabilidade não é um segredo guardado — é uma prática que se fortalece quando disseminada com responsabilidade e gestão de pessoas.
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