Em hotéis, pousadas e resorts, a liderança se prova todos os dias em pequenos gestos e grandes decisões. É o gerente geral que precisa comunicar cortes em horários de baixa temporada. É o supervisor de recepção que faz de tudo para acalmar uma equipe exausta em feriados de alta ocupação. É o gestor de A&B que lida com reclamações de hóspedes no café da manhã, fornecedores atrasados, mudanças de cardápio — tudo ao mesmo tempo, sempre com um sorriso que, muitas vezes, mascara o cansaço real.
Quem lidera na hotelaria sabe: liderar é, antes de tudo, um trabalho emocional. Mas raramente falamos sobre o impacto dessa carga invisível. Falamos de metas, resultados, reputação online, mas pouco se fala do que fica depois de cada plantão pesado: o desgaste mental e emocional de quem segura a ponta.
Por isso, quero propor aqui uma reflexão prática: como os líderes da hotelaria podem se recuperar emocionalmente para seguir cuidando de equipes, hóspedes e do negócio? Afinal, não é possível oferecer hospitalidade genuína quando falta hospitalidade interna — com nós mesmos.
O peso emocional que não aparece na folha de ponto
Se você já teve que:
- Dar uma má notícia a um colaborador,
- Despedir alguém que admira,
- Justificar uma decisão impopular da diretoria,
- Conter o próprio estresse para não contaminar a equipe,
- Ou simplesmente ser o “porto seguro” de todos em dias caóticos…
… então sabe do que estamos falando. A hospitalidade é um setor onde as emoções de quem lidera ficam, muitas vezes, trancadas atrás de portas de escritórios ou disfarçadas em uniformes impecáveis.
Mas ignorar essas emoções tem um custo alto. A conta chega em forma de burnout, afastamentos, decisões ruins, perda de empatia e conflitos evitáveis. E tudo isso impacta o clima organizacional, o atendimento ao hóspede e, consequentemente, o resultado financeiro.
Estudos apontam que 69% dos funcionários de turnos e impressionantes 76% dos gestores na hotelaria relatam sintomas de burnout. Na comparação por áreas, a hotelaria é o setor com a maior taxa de sobrecarga emocional global, com até 80,3% dos colaboradores relatando burnout
Três práticas para recuperar-se emocionalmente
Não existe fórmula mágica, mas existem caminhos que podem tornar a liderança emocionalmente mais sustentável. Quero compartilhar três práticas simples adaptadas à nossa realidade da hotelaria.
1) Reflita para entender o que sente
Quando foi a última vez que você parou para entender o que sentiu depois de um dia difícil?
A correria do setor nos treina a engolir sapos e seguir o baile: fechou a conta, atendeu o hóspede, resolveu a bronca — próximo! Mas cada situação deixa uma marca.
Por isso, depois de uma conversa difícil ou de uma decisão pesada, tente responder mentalmente:
- O que estou sentindo agora?
- Onde sinto isso no corpo? (Costas travadas? Garganta apertada? Dor de cabeça?)
- O que essa emoção quer me dizer?
Anote. Se puder, escreva num caderno ou grave um áudio para si mesmo. Não precisa virar diário — mas precisa virar prática.
Na hotelaria, costumamos resolver tudo falando. Então, se escrever não faz sentido para você, converse com alguém de confiança: um colega de profissão, um mentor, um amigo que entenda o peso de liderar pessoas.
O importante é não varrer para debaixo do tapete. Líder que não processa o que sente acaba explodindo onde não deve — ou implodindo por dentro.
2) Reenquadre para ver além do problema
Quem lidera equipes na hotelaria sabe que um dia ruim pode distorcer tudo. Um hóspede mal-educado, uma meta não batida, uma crítica injusta — basta uma gota para transbordar o balde.
Aí vem o pensamento sabotador: “Será que sou bom o bastante?” ou “Nada do que eu faço funciona.”
Quando perceber isso, faça uma pausa e pergunte:
- Existe algum lado bom nisso?
- O que posso aprender com essa situação?
- Como eu contaria essa história para alguém que admiro?
Esse exercício não é negação da realidade. É escolher uma versão mais fortalecedora do que aconteceu. Você não precisa romantizar erros, mas pode tirar força deles.
Um gerente de governança me contou uma vez que um feedback duro de um hóspede o fez perceber falhas num check-list de quartos que ninguém notava mais. Ele poderia ter guardado aquilo como crítica destrutiva — mas decidiu usar como impulso para treinar a equipe. Hoje, aquele setor bate recorde de elogios em pesquisa de satisfação.
3) Pratique a autocompaixão
Na hotelaria, aprendemos a cuidar de tudo e de todos. Mas quem cuida de quem cuida?
A autocompaixão ainda é confundida com fraqueza — quando, na verdade, é um ato de coragem. Ser auto compassivo não é se vitimizar; é reconhecer que errar, cansar e duvidar de si faz parte. E que, ainda assim, você merece cuidado.
Um bom exercício: pergunte-se “O que eu diria para um colaborador meu na mesma situação?”
Provavelmente, você diria: “Está tudo bem, vamos melhorar juntos, você não é definido por esse erro.” Então, por que não usar essa fala consigo mesmo?
Um líder autoconsciente é aquele que não se cobra perfeição, mas se compromete com melhoria contínua — inclusive na forma como se trata.
Hospitalidade começa dentro
Enquanto escrevo, lembro de uma frase que ouvi anos atrás de um gerente geral de um grande hotel em São Paulo: “A maior lição da hospitalidade é aprender a hospedar a si mesmo.”
Forte, não é? Hospedar-se a si mesmo significa abrir espaço para sentir, refletir e se recuperar emocionalmente. Significa admitir quando algo machuca — para não machucar os outros sem querer. Significa criar um ambiente interno que sustenta a gentileza que oferecemos aos hóspedes.
Hospitalidade não é só recepção, reservas, quartos impecáveis e restaurantes lotados. É também clima organizacional, liderança humana, conversas difíceis e decisões coerentes. E, principalmente, líderes que cuidam da própria saúde emocional para continuar cuidando de todos.
E agora?
Termino este artigo com uma pergunta para você, que lidera na hotelaria:
👉 Qual é o pequeno passo que você pode dar hoje para cuidar melhor das suas emoções?
Talvez seja uma pausa de 5 minutos depois de uma reunião tensa. Talvez seja escrever algo que ficou preso na garganta. Talvez seja pedir ajuda, dividir um peso, dizer “não” quando for necessário.
A hospitalidade que oferecemos ao outro começa na hospitalidade que cultivamos dentro de nós.
E você? Está pronto para se hospedar em si mesmo?
Vamos continuar essa conversa? Se você lidera na hotelaria e sente que este tema faz sentido, compartilhe sua experiência nos comentários ou envie uma mensagem. Juntos, podemos construir equipes mais saudáveis — e hotéis ainda mais acolhedores, de dentro para fora.
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